por Karin Hueck
Claudia Dias Batista de Souza é o nome de batismo da Monja Coen. Antes de se tornar a mais famosa praticante e líder budista do Brasil, ela foi gente como a gente – talvez até um pouco mais louquinha. Prima de Sergio Dias e Arnaldo Batista, dos Mutantes, Coen foi casada algumas vezes – uma delas, com o iluminador dos shows do Alice Cooper – e acabou presa na Suécia por tráfico de LSD. Foi apenas aos 36 anos que ela começou a meditar. E nunca mais parou. Nessa entrevista, ela fala sobre os caminhos internos para a felicidade, sobre autoconhecimento e transcendência, e sobre como não recomenda mais o uso de drogas para se aproximar de Deus.
Quais são as maiores diferenças no conceito de felicidade na filosofia ocidental e na oriental?
A palavra felicidade, em português, tem sua origem nas palavras “fertil” e “frutífero”. O que frutifica nos faz bem. Plantas, árvores, ideias, filosofias, trabalho, propostas, casamento e assim por diante – todos esses elementos podem deixar alguém feliz. Tanto no Oriente como no Ocidente, seres humanos – se não despertarem para a mente suprema – podem ser manipulados ou podem acabar manipulando outras pessoas em propósitos egoicos, que só atendem a si mesmas.
Eu sinto que sair do eu auto-centrado e se dedicar ao Eu maior é a própria felicidade – e isso tanto no Ocidente quanto no Oriente. Talvez os métodos educacionais sejam diversos: o Ocidente sempre foi mais centrado no eu individual do que o Oriente, que costuma considerar a coletividade em primeiro lugar. Mas isso não quer dizer que um é melhor do que o outro. Não se iluda, tanto no Oriente quanto no Ocidente, a maioria das pessoas atualmente se desgasta em preocupações relacionadas a bens materiais apenas e, quase nunca, encontram a plenitude do Eu Maior.
Por que, na sua opinião, tantas pessoas procuram o zen-budismo para alcançar uma vida mais “plena”? Qual é o principal apelo dessa filosofia?
A prática essencial do Zen é a meditação sentada, o conhecer o nosso próprio Eu, ao mesmo tempo em que esquecemos do eu. É a prática de deixar-se iluminar por tudo que existe. Perceber que estamos conectados a toda vida da Terra. Comunhão e encontro com a Verdade e o Caminho. E isso tem um grande apelo.
Por que, como você acabou de dizer, as pessoas se preocupam tanto com bens materiais? Na sua opinião, por que confundem felicidade com prosperidade financeira?
Porque há pobreza, carência, miséria, desnutrição, fome. Se as necessidades básicas de sobrevivência não forem atendidas, não somos capazes de nem mesmo orar. Isso é universal. O resultado dessas lógica é que acabamos nos prendendo a essa etapa de auto sustentabilidade e muitas vezes nem percebemos que já estamos com as necessidades básicas atendidas e ainda falta alguma coisa.
Tentamos preencher com novelas, programas, amigos, bares, internet, mas continua faltando. Algumas pessoas procuram o caminho do auto conhecimento, que é o conhecimento da vida, da sacralidade da existência, da rede de causas, condições e efeitos. Algumas pessoas procuram pela compreensão do significado da existência. Outras apenas vivem se distraindo das questões básicas da mente humana, querendo apenas rir, se divertir. Isso faz com que muitas pessoas sofram com essa situação, por não penetrarem no sentido mais íntimo do ser.
Preocupar-se com felicidade é uma noção válida? Você se preocupa em ser mais feliz?
Preocupar-se nunca é válido. Ocupar-se sim. Ocupar-se em fazer o seu melhor a cada instante e despertar para a mente de sabedoria perfeita é o caminho do Nirvana, é a felicidade verdadeira. Então, pratico os ensinamentos de Buda, sem me preocupar, mas me ocupando com a verdade e esse caminho.
Você fala muito da violência que existe ao nosso redor. De onde ela vem? Como ela interfere na nossa felicidade?
A violência existe. Seu oposto, a não-violência também. Dentro e fora de cada ser humano. Quando somos capazes de transformar a raiva em compaixão, tudo cessa. Quando abandonamos um “eu” que precisa ser defendido, que não pode ser magoado e assim por diante, percebemos que estamos muito além das provocações internas e externas. Mas só conseguimos praticar isso com prática incessante.
Certa feita, Sua Santidade o XIV Dalai lama, disse algo como: “Compaixão nem sempre é visceral. Temos de utilizar a mente para desenvolver a capacidade de compreender a quem nos ofende ou provoca.” Isso tem a ver com as conexões neurais. Todos nós nascemos com todos os neurônios possíveis, mas, se não os estimularmos, eles não se conectam. Se formos treinados a fazer conexões neurais de violência, briga, raiva, rancor, temor e assim por diante, essa trilha se torna uma auto-estrada, uma rodovia. Para fazer novas conexões temos de nos esforçar a conectar com amor, compreensão, ternura, assertividade, destemor e assim por diante.
Você teve diversas profissões antes de se tornar monja (inclusive jornalista como nós). O que diria que tirou de cada uma delas?
Experiências, questionamentos. Fui repórter do Jornal da Tarde, da editoria de Geral. Isso significa que eu cobria todos os assuntos possíveis por todo o Brasil. Foi uma época de um despertar claro e profundo sobre valores diversos em vários níveis sociais. E de conhecer os seres humanos – dos mais ricos e poderosos aos mais pobres e humildes – procurando a felicidade e a estabilidade física, material, psíquica, espiritual. Depois fui ser professora de Inglês e com isso passei a conhecer melhor a maneira de pensar dos povos de lingua inglesa.
É tudo diferente de quem fala português: a lógica, a filosofia, a maneira de ser. Fui também secretária do Banco do Brasil, em Los Angeles, e pude cortar quaisquer resquícios de discriminação preconceituosa que tinha quanto ao fato de ser secretária. Percebi a importância das secretárias nas empresas. Gerentes, diretores não seriam capazes de atuar sem suas/seus secretários. Um governo não funciona sem suas secretarias. Assim, em cada oportunidade pude aprender e transformar conceitos deludidos em experiência pura.
Em que momento – e qual foi a importância deste momento – que você percebeu que deveria se tornar monja?
Passei a meditar de forma regular, em Los Angeles, onde residia. Percebi que a meditação Zen era o Caminho que eu queria dar ao que restava de minha vida. Tinha 36 anos de idade.
Você disse em algumas entrevistas que tomou LSD e chegou a experiências religiosas intensas com ele. Você acha que as drogas são uma forma de transcendência? Vê alguma validade nisso?
Tudo depende de quem as usa e com que propósito. Na minha juventude, eu procurava por Deus. Não procurava por sexo, diversão, brincadeira ou prazer de qualquer espécie mundana. Hoje eu não recomendo uso de drogas ou de qualquer tipo de substância para alcançar a transcendência. Basta respirar conscientemente. Basta sentar em silêncio, na postura correta, para acessar o Eu além do eu. Podemos ter o encontro com a Natureza Buda – que é talvez o que tradições monoteístas chamam de Deus – através do silêncio, da meditação profunda e da respiração tranquila. Mas isso requer persistência, paciência e entrega, e deve ser através de orientação de pessoas que tiveram a experiência sagrada. Não é algo que se possa tentar sozinha.
É preciso seguir determinados procedimentos para esse encontro. Da mesma maneira, se combinarmos um encontro com alguém teremos de saber o local, o horário e o caminho para chegar até lá. É preciso ter uma rota. As tradições meditativas, religiosas, espirituais têm sistemas muito antigos e hábeis para conduzir os seres humanos ao verdadeiro Encontro. É preciso escolher uma tradição e seguir seus ensinamentos, sem desistir quando ps obstáculos surgirem.
Felicidade é um valor importante? Há outros mais importantes?
Felicidade, paz, Nirvana, quietude adquirida através da sabedoria perfeita, clareza, transparência, ética, prática incessante da vida iluminada.
Você se considera uma pessoa feliz?
Sou feliz.