(Texto de Mariana Ribeiro, originalmente postado na Obvious.)
Para quem ainda não se apaixonou por esse tipo de cinema, ele não nos deve roteiros com versões dramatizadas e fantasiosas da vida, quando se diz “final surpreendente” no cinema francês, não é no sentido de felicidade enlatada Hollywoodiana, mas dos ângulos construídos mostrando as capacidades e incapacidades humanas.
As que se seguem não são resenhas técnicas, mas impressões pessoais e impessoais embasadas em conhecimento e experiência de vida.
1. Deux jeurs, une nuit (Dois dias, uma noite)
ÉTICA, depressão
Qual é o nosso comportamento diante do outro, em situações que nos é possível fazer o bem ou simplesmente lucrar? Nesse filme, Marion Cotillard vive Sandra, uma mãe de família partida ao meio pela depressão, que no meio de uma crise financeira, tirou uma licença para se recuperar, mas ao voltar, descobre que seu chefe criou um meio para que ela fosse demitida: ofereceu aos funcionários um bônus, que só ganhariam se votassem a favor da demissão de Sandra, do contrário não receberiam bônus e outra pessoa seria demitida no lugar dela.
Sandra então vai bater na porta de cada um, em meio a uma recuperação conturbada em que volta a depender dos remédios, e pedir humanamente que escolham a ela ao invés do bônus. Ela lembra cada um da sua humanidade e empatia pelo sofrimento do outro e tenta buscar valores humanos em meio à crise. Provoca transformações sociais nas vidas dos colegas de trabalho com um simples pedido, mostrando o quanto nos afastamos na nossa humanidade as vezes, pelo trabalho e pelo dinheiro.
O final é surpreendente, Sandra prova seu valor, mostrando que tinha muito da ética que ela viera pedindo aos colegas, para dar-lhes em troca.
2. Amour (Amor)
AMOR, vida a dois,companheirismo
Esse filme trouxe uma visão surpreendente da vida a dois e do envelhecer. Colocou-nos dentro da vida de um casal de idosos que havia passado suas vidas juntos e agora, estavam na prova final de sua lealdade, companheirismo e de seu amor, diante de uma doença pela qual a esposa está passando. Seria então o amor o que resta de mais valioso quando as surpresas e as forças já foram embora, quando os defeitos estão à mostra e o tempo passou implacável sobre o corpo?
Mais insuportável do perdê-la era vê-la sofrer. Um final surpreendente e questionador, que deixa a pulga atrás da orelha e ideia que talvez… Só mesmo por amor!
3. La vie d’Adèle (Azul é a cor mais quente)
SEXUALIDADE, autodescoberta
Esse longa tem quase três horas de duração e o que vemos durante esse tempo é a construção de um indivíduo em suas vontades, carreira e sexualidade. No caso, a jovem Adèle, que no meio de suas descobertas encontra uma liberdade desconhecida na moça de cabelo azul, Emma; esta, por sua vez já tem tais questões resolvidas, o que faz com que o encontro das duas seja um questionador da aprendizagem a dois.
Emma é mais velha e assumida, enquanto Adèle luta para se descobrir, se sentindo presa pela sociedade ao redor, principalmente algumas colegas da escola (representantes de milhares), que cometem o erro ter a sexualidade como uma questão resolvida para um lado ou para outro, como se alguém devesse se assumir de uma vez e tomar seu assento. Ora, Adèle é heterossexual, mas isso não é tudo.
A importância de não ditar verdades duras sobre a própria sexualidade muito cedo e sob influência do meio, é gritante no filme. Vem banhado de Sartre e existencialismo, mostrando que, como disse o mesmo: o homem se encontra no mundo e depois se define. Intimista com sexo explícito e sem tabu.
4. De roille et d’os (ferrugem e osso)
SUPERAÇÃO, depressão, companheirismo
Demasiado humano, esse filme traz personagens sem maquiagem, com defeitos e fraquezas à mostra. Mais uma vez Marion Cotillard, que agora vive Stephanie, uma treinadora de baleias que encontra o conturbado Alain, lutador, pai de um filho de cinco anos do qual não sabe cuidar.
Um relacionamento entre os dois começa quando Stephanie sofre um acidente e tem a parte inferior das pernas amputadas. Do meio de sua depressão e falta de sentido pós-acidente, ela resolve ligar para o segurança de boate que a resgatou um dia de uma briga, que é o então lutador Alain. A ausência de pena e naturalidade com que Alain lhe trata a cativam de primeiro instante.
Stephanie vai voltando à vida e abrindo seu caminho para dentro da vida de Alain, onde ninguém parece conseguir permanecer. De suas desconstruções, ambos vão se reconstruindo. Cenas intimistas e maravilhosas, a saber, uma de Stephanie voltando a nadar sem as pernas!
E ainda resta o mistério da perfeição de efeitos usados para as pernas amputadas da personagem.
5. Le Fabuleux Destin d’Amélie Poulain (O fabuloso destino de Amélie Poulain)
FELICIDADE, enfrentamento
Com personagens incapazes de ambicionar uma felicidade idealizada, O fabuloso destino de Amélie Poulain, nos aproxima mais das pequenas alegrias e das coisas simples da vida.
A personagem Amélie, vivida por Audrey Tatou, escolhe sair de seu mundo fechado e angustiado de uma forma inusitada: ajudando os outros. Como ela tinha certo medo de se abrir, no risco de se alegrar ou se machucar, resolve consertar a vida dos outros através de suas pequenas travessuras. E assim vai, levando pequenas alegrias e também se alegrando com elas, até que chega aquele momento em que ela tem que se voltar para a própria vida e enfrentá-la, afim achar suas alegrias pessoais.
O fantasioso da realidade construída por Amélie é brilhante e nos lembra de olhar para a nossa, aquela que construímos para lidar com o sofrimento; uma vez ou outra, temos que enfrentá-la.
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MARIANA RIBEIRO é aspirante a muitas coisas, amante da psicanálise, escritora por natureza, fadada a duvidar, viajadíssima dentro de si. “Ismos não são bons”