Todo dia Isadele faz a mesma coisa, deixa a TV no mesmo canal, ajeita os móveis e conversa com seu Antônio mesmo enquanto ele dorme.
Hoje o avô não fala e nem escuta por conta do Alzheimer. Mas é o toque e o carinho da neta que o fazem esboçar um sorriso em alguns momentos do dia. Apesar do esquecimento, a neta mantém os mesmos costumes como forma de amenizar a dor de uma doença tão
devastadora.
O diagnóstico chegou à família depois de muita estranheza. Seu Antônio Gonçalves de Almeida, foi declinando na última década por conta da doença.
Isadele Prado, de 24 anos, é quem mora com o avô para ter certeza de todos os cuidados. Foi preciso sensibilidade para entender que os avanços seriam irreversíveis e que a cada dia, a luta também seria contra a tristeza.
“A doença foi deixando ele muito sensível. Quando algo fora do controle acontecia, a gente fazia de tudo para que ele não percebesse. Não foi fácil, mas foi muito importante nos últimos anos”.
Há sete anos os médicos diagnosticaram o Alzheimer, depois de mudanças constantes no comportamento. “A gente morava com a família em Costa Rica, ele começou a repetir as histórias e me seguir na rua como quem esquecia de quem a gente era”, recorda.
Com o tempo, a doença foi avançando e a vida inverteu papéis. “Meu avô sempre foi um homem muito carinhoso e sempre teve o respeito da família. Mas nessa idade as coisas se inverteram, chegou a nossa hora de cuidar dele e tentar mostrar um outro mundo”.
Quando falava e ainda se locomovia, estratégias surgiam para evitar constrangimentos. “Uma situação triste, mas que a gente tinha que conter a emoção era quando ele fazia xixi na sala. Eu sempre levava ele para outro canto da casa, sem que ele percebesse o que havia feito, porque se visse, ele chorava muito de tristeza tentando entender o que estava acontecendo”, conta.
Nascido no interior da Bahia, Antônio teve 3 filhas e hoje é avô de cinco. Uma das filhas, mãe de Isadele partiu há um mês depois um ano lutando contra um câncer no pulmão.
O Alzheimer não permitiu que ele percebesse a ausência. “Está numa fase que não entende, tanto que nem sabe que a filha morreu e provavelmente não vai saber”, diz a neta que teve de continuar firme.
Ele veio da Bahia depois de criar os irmãos em uma vida difícil após perder os pais quando tinha 14 anos. Em Mato Grosso do Sul se casou, mas também viu a esposa partir aos 49 anos, por conta de problemas no coração.
Por isso a história de vida do avô é motivo de orgulho para Isadele. “Ele criou os irmãos e depois cuidou das três filhas sozinha. Minha tia conta que na época, naquelas conversas de velório a cidade ficou bisbilhotando sobre com quem ficariam as crianças, mas ele fez questão de cuidar de todas até o casamento”.
Depois de uma vida dedica a felicidade das filhas, hoje é a neta que retribui todo cuidado. “Ele lutou muito por elas, por isso hoje eu luto por ele. Em sete anos de certeza do Alzheimer eu sempre fiz tudo do jeito que ele queria, era a rotina que agradava e deixava ele bem”.
Conhecido como Baiano Careca, Antônio já foi trabalhador rural, garimpeiro e vereador em Costa Rica. A neta guarda fotografias de reuniões com vereadores e jornais da época que falavam sobre o avô.
“Ele teve um papel importante em Costa Rica, foi quem levou a primeira escola para a cidade, também lutou pela igreja e pelo ginásio. Meu avô sempre foi um homem justo e reconhecido pelo jeito carinhoso”.
Não é à toa que ele nunca quis ficar longe da família. “Sempre morou com a gente. Até quando minha mãe se separou ele foi junto e vai ser assim pra sempre”.
O que ela aprendeu? Isadele não tem dúvidas de que só amor e paciência é capaz de prolongar a vida de quem vive com a doença.
“As vezes a gente se revolta com alguma coisa, mas vê que estamos na vida por alguma missão. Meu avô cumpriu a dele de cuidar muito bem de todas as filhas, hoje tenho certeza que minha missão é cuidar dele por toda vida”, declara a neta.