Fabrício Carpinejar
Sempre que há uma nova edição do Miss Universo não deixo de ver, de torcer e de me frustrar novamente.
Fico acordado até tarde jurando que dessa vez será uma brasileira, que desbancaremos “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupéry com “O Príncipe” de Maquiavel.
Há mais de meio século o Brasil não ganha o concurso. Nossas únicas vitórias foram vistas na juventude de minha mãe: a gaúcha Iêda Maria Vargas, em 1963, e a baiana Martha Vasconcellos, em 1968.
Depois que a humanidade chegou à lua, a coroa jamais voltou para nós.
Nos certames anteriores, existia o senão da nossa candidata não falar inglês fluentemente ou não dispor de bagagem internacional. Respeitava-se a decisão e compreendíamos a ausência no trono.
Só que a disputa desse último domingo (16/5), em Miami (EUA), pisou fundo em nossos calos.
Julia Gama é poliglota e conversa em inglês, espanhol e mandarim. Atua como atriz no mercado disputadíssimo da China, e traz experiência universitária em Engenharia Química na UFRGS.
Desfrutava de todos os pré-requisitos para arrebatar o cetro. Não tem sentido o segundo lugar, o sexto de nossa história.
É aquele perfil hipnotizante que esbanja carisma. No meio da multidão de centenas de pretendentes, se sobressai com um riso inteligente, próprio da confiança.
A gaúcha apresentou-se segura e decidida nos desfiles e autêntica e ousada em suas palavras.
Fugiu do padrão das saudações neutras e destacou a importância de cuidar da saúde mental diante da eclosão do medo na pandemia: “A saúde mental é ainda estigmatizada e isso nos impede de trazer assistência correta para quem precisa. Eu espero que hoje a gente normalize as conversas sobre ansiedade e depressão”.
Ninguém discursou como ela, a partir de um tema inédito na disputa, rompendo a bolha de silêncio sobre a discriminação social e familiar com as vítimas da doença. Teve empatia e coragem.
Julia Gama repetiu a sina de Martha Rocha (1954). Perdeu por duas polegadas subjetivas para Andrea Meza, que levou o tricampeonato para o México. Se fosse por votação popular, a faixa era dela.
Não acho que seja bairrismo, ufanismo e patriotismo de minha parte, mas bem que pode ser. Mesmo assim, ninguém me tira a razão.
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