“Ninguém desiste do outro de uma hora para outra; até chegarmos ao ponto da exaustão emocional, ao vazio das forças para nos manter ao lado do parceiro, ao não ter mais como respirar, fomos dando vários indícios de que as coisas não estavam caminhando com serenidade.”
É de se duvidar que alguém acorde, numa manhã ensolarada, olhe para o lado e, repentinamente, resolva sair daquela vida, perceba que não ama mais quem dorme ao seu lado e levante-se para fazer as malas e partir. Geralmente, lutamos e persistimos em nossas escolhas, por muito tempo, pois queremos ter acertado, sempre. Assim é com tudo na vida, assim também é com os relacionamentos.
Até chegarmos ao ponto da exaustão emocional, ao vazio das forças para nos manter ao lado do parceiro, ao não ter mais como respirar, fomos dando vários indícios de que as coisas não estavam caminhando com serenidade. Palavras são ditas, questionamentos são postos, muitas lágrimas são vertidas, ou seja, muito se cobra e se acusa antes da dolorida constatação de que o amor acabou e é hora de partir.
Com exceção da morte, tentamos reverter aquilo que nos desagrada, o que não está bom nem bem, o que incomoda. Por essa razão, as insatisfações para com o outro ao longo do relacionamento, se não são explicitadas, ao menos estão lá, presentes em pistas diárias, impressas nas atitudes, nas palavras, nos olhares, na frieza e, principalmente, no silêncio nosso ou de nosso parceiro – o silêncio diz mesmo muito.
Infelizmente, parece que dificultamos ainda mais o entendimento, quando mais precisamos, como que fugindo ao enfrentamento de fantasmas que muitas vezes nós próprios criamos e dimensionamos numa extensão muito maior do que a realidade dos fatos. Vários problemas seriam facilmente resolvidos apenas com a disposição de ouvir o outro, prestando atenção ao que o aflige e desagrada. Muito poderia ser evitado com atitudes simples de nossa parte, com pequenas mudanças, um pouco mais de entrega de si e com renúncias indolores.
Falta-nos, da mesma forma, enxergarmos a nós mesmos com os olhos do outro, para que possamos entender o que ele vem ouvindo, vendo e recebendo de nós, para que compreendamos o raio de nossas ações às pessoas que nos rodeiam – ninguém é uma ilha. A intolerância às frustrações costuma ser um dos mais fortes entraves à superação dos conflitos e problemas que assolam os relacionamentos.
Costumamos idealizar o parceiro, supervalorizando suas qualidades e ignorando tudo dele que nos desagrada, pois nosso objetivo é ficar junto, é amar e ser amado, é construir uma vida ao lado de alguém. Tentamos não prestar atenção ao que nos incomoda nas atitudes de quem amamos, não queremos nos indispor e estragar os nossos dias, não queremos falhar em nossas escolhas, e muitas vezes nos agarramos à vã esperança de que o outro vá mudar. Mas ele raramente muda.
Ninguém muda, a não ser que esteja incomodado e o queira realmente. Mudamos muito mais por nós mesmos do que pelo outro – daí a necessidade de fazermos com que o parceiro saiba o que nele não nos agrada. Dependendo da importância que tivermos na vida de quem amamos e somente se ele entender que vale a pena, então tentará mudar. No mais, ninguém muda de uma hora para outra, seja porque casou, porque teve filho, porque perdeu o emprego.
Quanto mais expectativas criarmos em relação ao outro, mais nos frustraremos e menos fortalecidos estaremos para buscarmos a felicidade junto de quem amamos. Os relacionamentos terminam menos pelo fim do amor do que pela incomunicabilidade que a força esmagadora do cotidiano acirra dia após dia. Existem pessoas que se amam, sim, mas não estão mais juntas, pois perderam-se entre si a uma distância que neutraliza qualquer tipo de contato e interação, silenciando em seus corações a necessidade do outro. Não é somente a falta de amor que mina as relações, mas também não saber como lidar com as dores e desilusões que ele traz na retaguarda.
Lançar-se ao encontro com o outro é sobretudo perigoso, pois teremos que estar dispostos a confrontar nossas verdades e mentiras com as de outra pessoa, de modo a ponderá-las e equilibrá-las por meio de aceitação e tolerância. Infelizmente, muitos não estão dispostos a essa entrega, porque poucos estão prontos para encarar a si próprios bem de pertinho.
No entanto, se – e somente se – ainda houver amor, dignidade e respeito, investir na manutenção de um relacionamento com quem se ama pode valer muito a pena, pois aninhar-se num colo aconchegante, ao final do dia, faz toda a diferença, renova nossas energias, tanto para desfrutarmos com mais serenidade os dias de sol, como para enfrentarmos com mais tenacidade as noites traiçoeiras que virão.
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