Vento, faz de mim brisa e leva-me para passear pelos campos de arroz da China quando eu sentir que meu peito não aguentará mais tanta ansiedade. Alivia com sua leveza o peso que se instala em mim depois de um dia difícil e repleto de cobranças e pressões externas. Sopra para longe a angústia que se aloja por aqui quando me faço acreditar que não sou boa o suficiente ou sempre que acredito precisar superar alguma expectativa alheia. Ah vento, transforma-me em brisa e ajuda-me a sentir o peso das plumas e parapentes, ser veículo para o perfume dos lírios e o frescor para aliviar as noites de verão. Transforma-me em brisa e ameniza a expectativa sobre o futuro, desacelera minha mente e refresca meu coração para que eu retorne ao ritmo natural terra.
Vento, trás para mim a doçura das gardênias que me levam de volta à infância, despe-me do que não é meu, faz-me mais leve e convida-me para dançar pelas montanhas enquanto vens comigo aprender os passos das músicas cantadas pelos pássaros. Vem bagunçar os meus cabelos e se misturar ao meu espírito. Vem me mostrar por dentro todas as potencialidades que carrego no peito e todas as possibilidades que vivem aí fora. Vem me conectar com o mundo, faz-me presente em mais de um lugar, pulveriza minha essência enquanto vamos juntos balançar as sedas do oriente, desafiar os coqueiros da Califórnia e brincar com as dunas branquinhas do Maranhão.
Vento, me faz vendaval quando for necessário jogar as folhas secas no chão. Faz de mim o redemoinho que limpa as calçadas e o vento sul que desorganiza a estante e quebra os vasos das janelas que precisam ser fechadas. Me faz corrente de ar quando for a hora de mudar as portas e ajuda-me com sua força a levar até as nuvens tudo aquilo que precisa de um outro ângulo. Dá-me o poder de bagunçar o que estiver muito dentro da normose e o que parece muito perfeito. Ah vento, quando for a hora, me transforma em furacão. Me faz destruir tudo que precisa ir ao chão!
Leva-me em direção ao Leste, varre a poeira que me cobre os olhos e ilumina meu caminho para que eu possa voar e enxergar como uma águia. Clareia todas as minhas percepções, aguça os meus sentidos e livra-me dos velhos hábitos. Dá-me coragem, ajuda-me a desafiar o mundo e a encontrar minha independência.
Leva-me em direção ao Sul sempre que for necessário reencontrar minha inocência e alegria. Ajuda-me a destruir a ilusão das imagens que criei e ensina-me a sentir novamente a soltura e leveza que habitam minha essência. Livra-me do peso do ego e do orgulho egocêntrico e traz novamente o riso fácil da minha criança.
Vento, guia-me em direção ao Oeste sempre que for necessário penetrar a quietude do meu ser, olhar para dentro, buscar minhas respostas e encontrar forças para alcançar meus objetivos. Me guia caverna adentro até encontrar aquilo que fui buscar e prepara-me para o futuro que está lá.
Ah! E leva-me por favor ao Norte sempre que for o momento de agradecer e reconhecer toda a sabedoria adquirida. Traz-me o equilíbrio da dualidade, conecta-me aos meus antepassados e me ensina a ouvir a terra.
Ah vento, vem. Pode vir. Toca a minha alma e faz de mim tua filha. Deixa eu te acompanhar por aí enquanto és brisa, ganhar força enquanto cruzas os oceanos, encontrar limites quando esbarras nas cordilheiras e encontrar caminhos por entre prédios de concretos. Ensina-me a desafiar estruturas sólidas, traz para mim a sabedoria de quem não vence sempre e a paz de quem conquista o milharal. Ensina-me a não ter imagem, rosto e forma. Mostra-me como ser sentida em todos os lugares pela simples presença de estar e assim simplesmente ser sem cor e despida de forma. E por fim, ajuda-me a ser suave e me ergue como uma pipa guiada pela inocência daquela criança cujo sonho é voar alto.